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Realidade em Jogo

                                                                      (Décima quarta Comunicação)


Fonte: Livro Crise Collor, Desvendando Tramas - Premiier Editora, Brasília-DF, 1992 e 1993 (duas edições). 
            Pelo título já se tem a dimensão dos assuntos nele abordados. O interessante é que os fatos que deram origem à deposição de um presidente da República vieram a se repetir também nos dias de hoje, com o denominado “Mensalão”. O ambiente político não era o mesmo. O presente texto tem muito a ver no que se passa também nos dias de hoje, apesar do tempo decorrido: mais de vinte anos.

            “Os grandes desvios da normalidade de atuação do Estado — como corrupção, tráfego de influências, malversação do dinheiro público, nepotismo, suborno, propinas menores e toda espécie de crime que visa o erário público — sempre foram motivos para sustentar o noticiário da imprensa. Combatidos ao sabor dos interesses políticos e ameaçados por um emocionalismo que os descaracterizam como ilícitos penais, rompe a realidade de origem e se perdem nos desvãos de interesses que necessitam ser preservados. Tem sido assim em todos os tempos. Os resultados privilegiam as elites que ocupam os altos cargos do poder público, nas várias esferas administrativas, quer da União, estados ou municípios, representantes que são de interesses do corporativismo, cartéis e outros grupos que lhes dão o apoio de sustentação. Na grande maioria das vezes esses ilícitos deixam de ser submetidos ao Judiciário e, quando o são, o resultado é ainda mais catastrófico. As influências de poderes marginais — principalmente políticos, econômicos e das elites sociais — descaracterizam provas, corrompem testemunhas e protelam julgamentos. Caem no esquecimento do público  e o tempo se encarrega de desativá-los, quer por decurso de prazo, quer por inatividade das partes (des)interessadas. Em contrapartida, aqueles que se julgam diretamente lesados pelos desmandos tornados visíveis — os que pagam impostos e zelam pelas suas obrigações — criam também as suas defesas, que crescem em quantidade e imaginação. Assim nascem os sonegadores de impostos. Surgem da necessidade de sobreviver, num mundo de competitividade, onde o desonesto tem tido vez. E o resultado não poderia ser outro: “caixas dois”, “contas fantasmas”, superfaturamento em licitações, “notas frias”, são alguns dos artifícios criados. Isso sem se falar nas atividades que sofrem uma vigilância mais acentuada, como o contrabando, os crimes contra a  receita federal, contra a economia popular etc.
            As leis — algumas por serem por demais severas e outras, por demais imprecisas — incentivam ou facilitam manobras ilegais. O Estado está desaparelhado para taxar, fiscalizar e cobrar impostos. Tanto as pessoas jurídicas quanto físicas, se arriscam em, simplesmente, deixar de pagá-los. Uma vez descobertos é possível protelar ou contestar o débito no judiciário. Aí já levam vantagens, tendo em vista a morosidade da justiça ou a inflação, além de um provável perdão ou parcelamento das dividas para com o fisco. E o homem honesto, que pauta pela integridade nos seus negócios, se vê penalizado.
            Daí advém a descrença generalizada na justiça, a desmoralização do Poder Legislativo, a inoperância do Poder Executivo e a catastrófica situação do Estado — sempre correndo atrás de corretivos —, síntese da atuação de seus mecanismos. 
            Cultivamos de tal maneira privilégios na organização de nossa sociedade, que se torna difícil raciocinar em termos de uma sociedade justa e humana.
            O País já se cansou de fórmulas importadas e, o que é pior, adaptadas a um modelo político deformado, que teima em manter estruturas que privilegiam determinadas classes sociais, em detrimento de uma maioria que suporta o terrível peso da verdadeira injustiça social. Somos um país diferente, que reclama soluções diferenciadas. Temos deformações que já fazem parte do nosso modo de ser. Citemos algumas:
            O Orçamento da União é uma monstruosidade. Os projetos de orçamentos trazem os vícios do excesso de emendas parlamentares e, com isso, o atraso em suas votações. O de 1.994, que deveria ser votado até dezembro de 1.993, somente o foi em novembro de 1.994. Resume-se em pilhas de papéis, de centenas de quilos.  
“Não temos uma política salarial, e sim, um conjunto de critérios, ao sabor de grupos de pressões, que ditam e fixam salários.”
            (...)
            “Os problemas se interligam e criam raízes profundas. Uns estão atrelados aos outros, numa cadeia robustecida por seus elos. Decorre daí uma Previdência Social sem estrutura para atender as necessidades mínimas de seus assistidos, agora passando por uma reforma que só o futuro poderá mostrar o acerto e a verdadeira intenção de seus mentores; Uma agricultura sem política agrária e entregue a um caos que se processa cada vez mais, propiciando o confronto entre os “Sem Terra” e os Fazendeiros — Uma das alternativas do Movimento é empregar e intensificar práticas revolucionárias; Uma saúde pública com muitos defeitos e raras soluções à vista; A rede viária em decomposição; Uma segurança pública que não consegue acompanhar os passos largos da marginalidade, com um sistema penitenciário ineficiente e em plena deterioração; Os costumes corrompidos por ideias “progressistas”, já colhendo o produto desse progresso, como desintegração da família, sexo livre, drogas e, em conseqüência, a AIDS instalada e os problemas sociais, principalmente crianças abandonadas, juventude delinqüente e tantos outros.”
(...)
            “O mundo passa por um processo revolucionário. A qualquer momento as grandes potências econômicas podem entrar em colapso. (Isto foi dito no ano de 1992/93).
A competitividade, instrumento de uma luta feroz e sem regras de comportamento, não dispõe de mecanismos de controle. As economias internas têm de se precaver e criar condições para sobreviverem a um provável desarranjo das economias que regem o mundo. Para isso é necessário fórmulas de anticorpos para reabilitar e fortalecer as economias internas que, de um modo geral, se encontram sob as garras de uma estrutura, financeira e econômica, universal,  portanto, dependentes de economias mais fortes. A globalização tem servido mais a esses interesses do que propriamente a uma integração mundial dos povos.”
            Há uma opinião unânime da necessidade de reformas profundas na estrutura do estado. Sente-se a necessidade de se inverter a base dessa estrutura, tanto na sociedade, quanto no estado dirigente e prestador de serviços: partir do homem para a sociedade, do município para o estado. Reabilitar o homem a partir dos municípios.

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