(Quinta Comunicação)
Cumprimento de uma tarefa
missionária
O presente relato diz respeito ao que vivenciamos como
agente passivo. O fato pegou-me tão despreparado para o que vinha acontecer
que, ao transcrevê-lo, pergunto ao leitor: Qual seria a sua posição diante do
que veio a acontecer? Eu, particularmente, não encontrei outra saída. Nada
tenho do que me arrepender. Pelo contrário, este fato despertou-me um
sentimento de uma nova visão de vida.
Pensei em omitir alguns detalhes sobre este estranho encontro. Mas, para não
deixar dúvida quanto ao que se passou, volto ao texto, sem cortes.
“Fui colocado em um banco em frente daquela pessoa tão
misteriosa. Ela simplesmente ignorou a minha presença. Continuava a comentar
com os seus auxiliares sobre uma “médium da corrente” que acabara de
“desencarnar”, vítima de um desastre. Ela havia previsto o acidente e tentara
retardar a sua saída do Vale, mas sabia antecipadamente do que estava para
acontecer Mas nada poderia ser feito, uma vez que aquela era a sua sina. Estava
ali justamente queixando-se da impotência do ser humano diante do destino e,
sobretudo, da tristeza de uma clarividente que, como ela, tomava conhecimento
antecipado de uma tragédia e não tinha poderes para evitá-la.
Foi nesse clima que ela virou para mim e disse inopinadamente: “O que é que te
aflige meu filho? Tentei explicar a ela que tinha um problema na mão, quando
escrevia. Mal comecei a explicar-lhe, fui interrompido. Mais ou menos assim ela
se expressou: “Não é nada disso. Você é um missionário e está falhando. Veio
para escrever uns livros para o Brasil, numa época de muita confusão, violência
e miséria. Época difícil e de grandes transformações. Você tem muita
responsabilidade com o futuro do País. Você não tem o direito de falhar. Você
já começou a tarefa e a abandonou. Nem mais se lembra dela. Quando chegar em
casa vai procurar, em uma das gavetas de uma escrivaninha onde a sua mulher
passa roupa, o que você já começou. Depois volte aqui para eu te orientar. São
dezoito páginas datilografadas. Pode ir e não deixe de voltar.”
Despedi-me e saí dali preocupado e ao mesmo tempo eufórico, repetindo aquela
história estranha, de “missionário”, para o meu amigo Clidenor e mais duas
outras pessoas que iriam conosco até Sobradinho. Mais parecia sonho do que
realidade.
Naqueles dias eu me encontrava só em minha residência, pois a família tinha ido
passar uns dias no interior de Minas Gerais, em nossa terra.
Quando cheguei em casa, por volta de uma hora, fui instintivamente na segunda
gaveta da tal escrivaninha e dela retirei uma pasta de papelão, onde estavam
guardados muitos papéis velhos, desses que ficam esquecidos e sem nenhuma razão
de permanecerem guardados. Ali se encontrava o que a “Tia Neiva” havia
anunciado. Em dezoito páginas de “papel jornal”, já rotos e amarelados pelo
tempo, eu tinha desenvolvido um trabalho sobre assistência social, que fizera
quando cursava a Academia de Polícia de Minas Gerais, em Belo Horizonte, no ano
de 1968. Tratava-se, inicialmente, de uma tarefa acadêmica com duas páginas,
que fazia parte de um trabalho coletivo, onde cada aluno ficara encarregado de
escrever sobre determinado assunto. Resolvi, mais tarde, desenvolver o tema
naquilo que havia pesquisado. Não identifico nenhuma razão, a não ser por obra
do destino, em ter tido aquele procedimento e, muito menos, tê-lo guardado.
Lembro-me apenas que um colega, ao ver o rascunho, prontificou-se em
datilografá-lo, dizendo-me: “isso dá livro!”. E nunca mais me lembrei de
tal fato.
O interessante de tudo isso é que, ao tomar conhecimento daqueles “esquecidos
escritos” e certificar-me do número de páginas, dezoito, deu-me uma crise de
arrepios nos cabelos dos braços. Fui deitar e custei a dormir, pois estava
diante de uma experiência totalmente nova e esdrúxula.
No sábado seguinte fui novamente encontrar-me com a “Tia Neiva”, desta vez na
“Casa Grande”. Disse-lhe da dificuldade em escrever sobre assuntos estranhos a
minha profissão. Ela apenas me ouvia e pouco falava. Depois de um sofrido
monólogo veio a resposta: “Você precisa escrever os tais livros. Os assuntos
vão aparecer naturalmente e com o tempo você vai tomar gosto pelo trabalho.” E
mais: eu deveria ir vê-la de vez em quando; caso não pudesse me atender,
bastaria apenas mandar avisá-la da minha presença. Deu-me também dois livros de
presentes e falou-me que não me convidaria a ingressar no Vale do Amanhecer,
porque eu não fazia parte das “falanges da corrente”: “você não é Jaguar, meu
filho!”. Mas que eu teria todo o apoio do “Pai Seta Branca”. E encerrou a
conversa: “Tudo vai dar bem, meu filho, depende só de você.”
“E assim começou uma longa caminhada, que parece não ter fim.”
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